Um quarto da cortiça deste ano está por vender
No Verão, os sobreiros foram generosos, mas o fruto do esforço de centenas de produtores ficou-lhes nos braços. Um quarto da cortiça retirada este ano não encontra destino e alguma da escoada foi-o a preço de saldo. As razões vão desde o problema dos vedantes alternativos à crise financeira. Mas quem depende do montado vê o futuro com apreensão: se a cortiça continuar a perder interesse económico, boa parte dos territórios nacional e espanhol correm sérios riscos de abandono.
Em várias regiões do Alentejo, perpassa a mesma preocupação. São muitos os produtores que não conseguiram escoar a sua cortiça, sobretudo aquela de pior qualidade. Num recente seminário sobre o futuro deste material, que decorreu em Portel, organizado pela Confraria do Sobreiro e da Cortiça, a ansiedade era visível. Todos relataram casos de material a acumular-se nos campos. Muitos admitiram estar a vender a um preço ridículo.
De um total de 5 a 5,5 milhões de arrobas (75 a 82,5 milhões de quilos) de produção total este ano - e 2008 não foi um ano de grande tirada de cortiça -, entre 1 a 1,2 milhões de arrobas (15 a 18 milhões de quilos) estão por vender. Os produtores vêem 2009 ainda com mais temor, pois é um ano em que haverá muita produção. "Como é que vamos escoar?", questionam.
O problema não é de hoje mas agravou-se. Segundo a União da Floresta Mediterrânica (Unac), que agrega associações florestais, nos últimos seis anos houve uma desvalorização do preço global das cortiças, na ordem dos 15 a 30 por cento, conforme a sua qualidade. As ofertas de compra situam-se, muitas vezes, abaixo do limiar de rentabilidade da exploração, o que desincentiva ainda mais os produtores.
Depois de há sete anos, em que houve uma grande procura, o preço médio estar nos 40 euros a arroba, agora não passa dos 25, mas há quem venda muito abaixo deste. E a tendência é para continuar a baixar.
A falta de escoamento do material que está a ocorrer este ano é, todavia, o que mais preocupa. Até porque é um sinal de uma mudança de estratégia da indústria, fruto de uma situação económica complicada, mas que prejudica gravemente os produtores. Até agora, quem fazia a gestão dos stocks eram as fábricas, que compravam a cortiça aos proprietários, ressarcindo-
-os dos custos da exploração. Agora só adquirem o que necessitam, deixando os stocks na árvore ou no chão, descapitalizando a produção.
Cortiça perdeu classe média
Segundo José Miguel Lupi Caetano, presidente da Unac, há várias razões que explicam a situação. "Há o problema dos vedantes alternativos, que fazem concorrência à cortiça e que são uma ameaça séria, mas também há uma crescente aposta em produtos de menos valor acrescentado para a produção, porque são feitos com cortiça de menor valor, como os granulados", relata. Para concluir: "Ficámos com os produtos de excepção que são as rolhas boas, ou seja, perdeu-se a classe média da cortiça."
Além disso, acrescem as dificuldades económicas da indústria, sobretudo das mais pequenas, que muitos prevêem que não se irão aguentar com a crise. "Tem de haver uma atenção para este negócio, criando mecanismos que permitam que o mercado da cortiça funcione", diz Lupi Caetano. "Era necessário injectar liquidez no mercado industrial para este vir fazer negócio ao campo", exemplifica.
A Unac defende que seja reactivada a linha de crédito de curto prazo para a agricultura, silvicultura e pecuária, aumentando o montante máximo elegível para a cortiça para 4,5 euros por arroba e viabilizando a concessão de crédito para a extracção da cortiça nas actuais condições. Além disso, considera essenciais que sejam criadas linhas de crédito de apoio à aquisição de cortiça no mato pela indústria de transformação, "que garanta condições bonificadas de taxa de juro e um sistema de garantia por parte da Estado".
Advoga também um maior envolvimento de todos na promoção das rolhas da cortiça e diz ser fundamental adequar o regime fiscal às especificidades do ciclo produtivo do sobreiro.
"Se a cortiça perder interesse económico, o montado também o perde, o que significa que boa parte do território português e espanhol poderá estar em causa", diz Lupi Caetano.
O PÚBLICO contactou o grupo Amorim, que tem a maior quota de mercado no sector, mas não foi possível obter a sua posição sobre a situação em tempo útil.
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Há 1 ano
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